A armadilha da mente: como as distorções cognitivas controlam sua vida.

Neste artigo, exploraremos as distorções cognitivas, os pensamentos irracionais que nos impedem de viver plenamente. Descubra como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode te ajudar a reconhecer e desafiar esses padrões mentais, recuperando o controle da sua vida.

3/18/20256 min read

Distorções Cognitivas: o que são e como lidar com elas?

As distorções cognitivas são formas de pensamento automático que surgem sem que reflitamos sobre elas. Ou seja, esses pensamentos aparecem independentemente da nossa vontade, muitas vezes influenciando nossas emoções e comportamentos de maneira negativa. No entanto, apesar de automáticos, podemos aprender a identificá-los e modificá-los.

O que são distorções cognitivas?

Distorções cognitivas podem ser entendidas como meias-verdades. Por exemplo, imagine que João deixou de ir à festa de aniversário de um amigo. Seu primeiro pensamento é: "Deixei de ir à festa" (pensamento verdadeiro). No entanto, logo em seguida ele pensa: "Agora meu amigo não vai mais falar comigo" (distorção cognitiva do tipo "adivinhação"). Ou seja, há um primeiro pensamento válido (não fui à festa), seguido de um segundo pensamento distorcido (meu amigo não vai mais falar comigo), que não necessariamente condiz com a realidade.

O termo distorções cognitivas foi cunhado por Aaron Beck, psiquiatra e criador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), enquanto tratava pacientes com depressão. Ele percebeu que esses pacientes apresentavam padrões de pensamento disfuncionais que reforçavam o humor deprimido. Desde então, a TCC identificou mais de 20 tipos de distorções cognitivas, algumas bastante semelhantes entre si.

Classificação das distorções cognitivas.

Para facilitar o entendimento, as distorções cognitivas podem ser agrupadas em quatro categorias principais:

1. Pensamento extremo:

🧠 Catastrofização: imaginar sempre o pior cenário possível. Exemplo: "Se eu cometer um erro na apresentação, todos vão me achar incompetente e nunca mais vou conseguir uma promoção."

🧠 Afirmações do tipo "deveria" e "tenho que": criar regras rígidas para si mesmo. Exemplo: "Eu deveria ser perfeito no trabalho o tempo todo; qualquer erro significa que sou um fracasso."

🧠 Pensamento de tudo ou nada: enxergar situações de forma extrema, sem meio-termo. Exemplo: "Se eu não for excelente em tudo que faço, então sou um completo fracasso."

2. Foco seletivo:

  • Generalização: tirar conclusões amplas a partir de uma única experiência negativa. Exemplo: "Eu nunca faço um bom trabalho." Trata-se da tendência a interpretar uma situação isolada como se fosse um padrão global para todas as situações, tornando-se uma verdade absoluta.

  • Filtro mental: focar apenas nos aspectos negativos de uma situação. Exemplo: "Tudo de ruim acontece comigo." Trata-se de uma distorção de pensamento em que há um foco excessivo nos eventos negativos, ignorando qualquer detalhe positivo.

  • Maximização e Minimização: exagerar os aspectos negativos e minimizar os positivos. Exemplo: "Cometi um pequeno erro no relatório e agora tudo está arruinado" (maximização) ou "Recebi elogios pelo meu trabalho, mas qualquer um poderia ter feito isso" (minimização).

  • Negação do positivo: ignorar evidências que contradizem crenças negativas. Exemplo: "Alguém me elogiou pelo meu trabalho, mas ele só disse isso para ser educado." Essa distorção ocorre quando a pessoa desconsidera aspectos positivos e se concentra apenas no que confirma suas crenças negativas.

3. Intuição distorcida.

🔍 Leitura mental: presumir saber o que os outros estão pensando. Exemplo: "Eles me acham muito chato." Trata-se de uma distorção em que acreditamos saber o que os outros pensam de nós, sem nenhum dado concreto ou evidências para confirmar aquele pensamento.

🔍 Conclusões precipitadas: tirar conclusões sem provas concretas. Exemplo: "Meu chefe está mais sério hoje, com certeza ele está decepcionado comigo." Essa distorção ocorre quando tiramos conclusões sem evidências suficientes, baseando-se apenas em suposições.

🔍 Adivinhação: prever o futuro negativamente sem base real. Exemplo: "Tenho certeza de que a entrevista será um desastre e não vou conseguir o emprego." Essa distorção ocorre quando antecipamos acontecimentos ruins sem nenhuma evidência concreta para sustentar essa crença.

🔍 Raciocínio emocional: acreditar que algo é verdade apenas porque se sente dessa forma. Exemplo: "Sinto que ninguém gosta de mim, então deve ser verdade." Essa distorção ocorre quando a pessoa confunde sentimentos com fatos, assumindo que suas emoções refletem a realidade objetiva.

4. Culpa e criticismo.

Culpa e Criticismo é um tipo de distorção cognitiva na qual a pessoa atribui a culpa por acontecimentos negativos de forma exagerada e muitas vezes injusta, seja a si mesma ou aos outros. Esse padrão de pensamento pode gerar sofrimento emocional e afetar a forma como alguém se relaciona consigo e com os outros.

  • Culpa excessiva: a pessoa assume a responsabilidade por eventos negativos, mesmo quando não tem controle sobre eles. Exemplo: "Se meu amigo está triste, deve ser porque eu não fui um bom amigo."

  • Criticismo excessivo: a pessoa foca apenas nos erros dos outros, julgando-os de forma severa.
    Exemplo: "Meu colega errou na apresentação porque é incompetente."

    Essa distorção está muito ligada à autoexigência, ao perfeccionismo e pode reforçar sentimentos de ansiedade, baixa autoestima e ressentimento. Para trabalhar essa distorção, é importante desafiar os pensamentos e buscar uma visão mais equilibrada, considerando fatores externos e a possibilidade de múltiplas explicações para um evento.

Como lidar com as distorções cognitivas?

Dado o impacto negativo dessas distorções sobre nossos pensamentos, emoções e comportamentos, a TCC propõe estratégias eficazes para lidar com elas:


💡 Identificação das distorções: a psicoeducação é essencial para reconhecer padrões de pensamento disfuncionais.

A identificação das distorções cognitivas começa com a psicoeducação, que envolve aprender sobre esses padrões de pensamento e reconhecer quando eles estão ocorrendo. Para fazer isso na prática, você pode:

  • Observar seus pensamentos automáticos: preste atenção às frases que surgem em sua mente diante de situações do dia a dia, especialmente quando você se sente mal ou tem reações emocionais intensas.

  • Anotar pensamentos disfuncionais: registre seus pensamentos e tente identificar se eles se encaixam em alguma das distorções cognitivas, como catastrofização, generalização ou leitura mental.

  • Questionar a validade desses pensamentos: pergunte-se se há evidências reais que sustentam essa crença ou se você está se baseando em suposições e interpretações distorcidas.

  • Substituir por pensamentos mais equilibrados: após identificar e questionar a distorção, reformule o pensamento de uma maneira mais realista e funcional.

  • Exame de evidências: questionar se há provas concretas que sustentem determinada crença. Para isso, pergunte-se: "Quais são os fatos que comprovam esse pensamento? Existe alguma evidência contrária? Estou baseando essa crença em emoções ou em dados reais?" Esse processo ajuda a tornar o pensamento mais racional e equilibrado.

  • Questionamento socrático: desafiar a validade dos pensamentos automáticos. O questionamento socrático é um processo de investigação que utiliza perguntas abertas e reflexivas para desafiar a validade dos pensamentos automáticos negativos. Em vez de aceitar esses pensamentos como verdades absolutas, aprendemos a questioná-los e a buscar evidências que os sustentem ou os contradigam. Pensamento automático: "Eu falhei na apresentação, sou um fracasso total."

    Questionamento socrático:

    • "Quais evidências mostram que sou um fracasso total?"

    • "Existem outras apresentações que eu fiz bem?"

    • "Quais fatores contribuíram para o meu desempenho na apresentação?"

    • "O que posso aprender com essa experiência?"

    • "Qual seria um pensamento mais equilibrado?" (Ex: "A apresentação não saiu como esperado, mas posso aprender com meus erros e me preparar melhor para a próxima.").


💡 Reformulação narrativa: a reformulação narrativa nos convida a examinar essas histórias com um olhar crítico e compassivo, identificando os elementos que nos impedem de viver uma vida plena e significativa. Em seguida, trabalhamos para reescrever esses elementos, incorporando novas perspectivas, evidências e interpretações mais realistas e positivas.

Exemplo Prático: imagine uma pessoa que se vê como um fracasso por ter sido demitida de um emprego. Através da reformulação narrativa, ela pode questionar essa crença, buscando evidências de suas habilidades e conquistas passadas. Ela pode reescrever sua história, reconhecendo que a demissão foi uma oportunidade para buscar um trabalho mais alinhado com seus valores e objetivos.


💡 Desenvolvimento de pensamentos mais adaptativos: nossos pensamentos têm um impacto poderoso em nossas emoções, comportamentos e bem-estar. Pensamentos disfuncionais, como os encontrados nas distorções cognitivas, podem nos levar a sentir emoções negativas intensas, a adotar comportamentos prejudiciais e a ter dificuldades em nossos relacionamentos.


Conclusão.

As distorções cognitivas, embora intrínsecas à nossa forma de interpretar o mundo, não precisam ditar o curso de nossas vidas. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) nos oferece um conjunto de ferramentas poderosas para desafiar esses padrões de pensamento negativos, permitindo-nos construir uma relação mais saudável e equilibrada com nossos pensamentos, emoções e comportamentos.

Ao dominar técnicas como o questionamento socrático, a reformulação narrativa e o desenvolvimento de pensamentos adaptativos, podemos transformar nossa experiência de vida, cultivando maior resiliência, bem-estar e autocompaixão.

Importante: As informações aqui apresentadas têm caráter informativo e não substituem o acompanhamento profissional de um psicólogo. Se você identifica padrões de pensamento disfuncionais que estão causando sofrimento ou impactando negativamente sua qualidade de vida, busque o auxílio de um profissional da Psicologia.

Referências Bibliográficas:

  • Beck, J. S. (2013). Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.

  • Burns, D. D. (1999). Sentindo-se bem: a nova terapia do humor. 3ª ed. São Paulo: Editora Pensamento.

  • Silva, J. G., & Sebben, A. A. (2018). Influência das Distorções Cognitivas no Funcionamento Cognitivo do Paciente. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 14(2), 76-83.

  • Volungis, A. M. (2014). Cognitive-behavioural therapy: theory into practice. London: Sage Publications.